Enem, erros de português e ideologização do debate

Do Diário do Grande ABC

Artigo
Mais assombrosos do que os erros de concordância verbal e ortografia nas redações do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que mereceram calorosos debates na mídia, foram as explicações que alguns professores de universidades públicas sacaram da manga para justificar o certame.
Chegaram, inclusive, a defender os erros dos candidatos divulgando em contrapartida uma série de outros erros de português, desta feita, cometidos por jornalistas de um jornal diário da Capital, como se uma situação pudesse anular a outra, ou como se os erros dos jornalistas tivessem peso maior que os erros cometidos pelos alunos.
Bem, se formos seguir por esse caminho, a nossa região não ficou atrás, pois um jornal, por exemplo, estampou a seguinte manchete: ‘Redações do Enem tem erros graves de português’, esquecendo-se de pôr o devido acento circunflexo no verbo ‘tem’, em sua forma no plural, que as novas regras ortográficas mantiveram.
Erros como ‘trousse’, ‘enchergar’ e ‘rasoavel’ constituem convite macabro a que qualquer professor de Português tenha vontade de atirar pela janela seu diploma, ou que no íntimo sinta vontade de socar alguém, mas aos olhos daqueles especialistas esses erros não são apenas considerados ‘normais’ como são os críticos que querem acabar com o Enem.
Sartre já dizia que o inferno são os outros.
Não resta a menor dúvida de que tais erros só podem transparecer a péssima formação de nossos alunos em sua própria língua, em sua própria expressão textual, evidenciando a falta de leitura em um País que privilegia a ignorância, o grotesco, a inversão de valores culturais, quando ao povo é dado o benefício do espetáculo de uma Educação para todos, que excluirá parcela significativa quando ‘a ficha cair’, ou seja, quando o mercado de trabalho fizer a sua ‘seleção natural’.
Ademais, ocorre que quando o debate linguístico é permeado por questões ideológicas, ou o que é ainda pior, por questões político-partidárias, o debate perde sua finalidade intrínseca. Em outras palavras, o que se põe em xeque não é a série de erros e a consequência que isso implica, mas a crítica que se faz ao governo em tela, o que esses professores não suportam.
Aceitar que erros de português sejam tidos como ‘normais’, sem importância, um caso à parte, é um passo para aceitar que a fome, a ignorância, a corrupção, tudo será considerado ‘normal’ num País em que ‘ser do contra’ é ser do mal.
Sérgio Simka é professor universitário e escritor.
 
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